quarta-feira, 5 de setembro de 2018

31 - "LE MAL DU SIÈCLE" NO BRASIL?



Em minha última viagem à Europa ví uma situação interesante: estava no metrô da cidade de Milão e ao meu lado sentou um jovem de seus vinte e poucos anos que escutava música em um celular usando fone de ouvido. Como estava ao seu lado, passei os olhos pela tela do celular por pura curiosidade e pude identificar nela a figura do cantor, compositor e cineasta françês Serge Gainsbourg, grande ícone da cultura pop do século XX, celebrado pela ousadia de suas músicas (os de minha geração vão se lembrar de “Je t’aime… moi non plus, música de cunho erótico que ele canta com a atriz e cantora Jane Birkin. Essa música foi censurada no Brasil em 1969 e fez um grande sucesso no mundo todo). Estranhei o fato de um jovem (que não sei se era françês ou italiano) escutar, em 2018, a música de um cantor falecido em 1991, quando certamente ele nem havia nascido, porque isso aqui no Brasil não seria comum. Entendi que isso era uma questão de cultura. Por sinal, acabei de ganhar de presente um CD, com os maiores sucessos de Serge Gainsbourg e entre as músicas, dois títulos me chamaram a atenção: um se chama “Baudelaire” e o outro “Chatterton”. Mas por que lembrei desse fato agora? Porque estou estudando literatura francesa do século XIX e entrei em contato com as obras de Baudelaire (grande poeta françês, precursor da modernidade) e tomei conhecimento que Chatterton é uma peça romântica do escritor e poeta Vigny, que fez grande sucesso na França, na primeira metade do século XIX. Para mim, foi uma surpresa ver dois grandes poetas do século XIX serem homenageados por um artista no fim do século XX. Isso também é uma questão de cultura. Fazendo uma pequena retrospectiva da situação vivida no século XIX, observamos que desde o início desse século, o povo se sentia perdido, após assistir a derrocada dos ideais da revolução francesa e a decepção com o império napoleônico. Era a falência do sistema político françês e a sensação de desencanto era geral. O povo sofria "du mal du siècle", pela incerteza do futuro e vivia seus dias em "deuil" (luto), cuja cor característica e predominante era o negro (pelo menos entre os intelectuais). Alguma identificação com a situação que o Brasil vive nos dias atuais? Para mim, toda! Naqueles dias, floresceram as artes e sobretudo a poesia romântica e o poeta era visto como um ser superior, um mediador entre Deus e os homens, responsável por guiar o povo em direção ao caminho da liberdade. Nunca o povo brasileiro se sentiu tão perdido e tão necessitado de um guia como nos dias atuais. Por isso eu peço: que clamem os artistas, os poetas, os escritores! Que usem sua arte para nos ajudar a renovar nossas esperanças em dias melhores no futuro! Porque parafrasendo um comercial do canal de TV Arte1, “A arte existe porque a vida não basta”.